D. Na obra mística
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O canto amoroso de Camões não se fica pelo que já foi documentado. Ele é talvez o melhor poeta místico português de todos os tempos. As estrofes que se seguem são uma amostra da sua poesia nessa área e pertencem ao poema Santa Úrsula. Enquadram-se no momento em que a jovem suplica o martírio: ela sabe que a sua sede de amor será depois plena e definitivamente satisfeita.
Com excepção de alguns passos d’Os Lusíadas (já mencionados), em Camões ouve-se sobretudo a sua voz, raramente a feminina. Aqui é diferente.
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Amor, divino Amor, Amor suave,
Amor, que amando vou toda rendida:
Com quem não há na vida pena grave,
Sem quem glória real não há na vida;
Amor, que do meu peito tens a chave,
Amor, de cujo amor ando ferida,
Quando verei, Amor, o que desejo,
Pera que veja, Amor, o que não vejo?
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(…)
Amor, que por amor Te dispuseste
A restaurar o mundo errado e triste;
Amor, que por amor do Céu desceste;
Amor, que por amor à Cruz subiste;
Amor, que por amor a vida deste;
Amor, que por amor a glória abriste,
Quando verei, Amor, o que desejo,
Pera que veja, Amor, o que não vejo?
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Amor, que mais e mais sempre Te aumentas
No coração que lá contigo trazes;
Amor, que de amor puro Te sustentas
No fogo em que Tu mesmo arder me fazes;
Amor, que sem amor não Te contentas,
De tudo com amor Te satisfazes,
Quando verei, Amor, o que desejo,
Pera que veja, Amor, o que não vejo?
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(…)
Quando verei um dia em que ofereça
Por Ti ao cruel ferro o peito forte,
E cercada de virgens apareça
Na tua soberana e eterna corte;
Onde lá cada ua Te mereça,
Cá passando comigo a própria morte;
E todas dando o sangue juntas, todas
Celebremos contigo eternas bodas?
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4. Conclusão
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Ficou atrás uma amostra de como o nosso maior poeta viu a mulher e com ela lidou; como lidou com o amor, com a sexualidade. Ele cantou simultaneamente uma mulher irreal, mitificada ou desmaterializada, cantou deusas e semideusas em situações diversas, foi às vezes mais realista, sofreu amargamente com amores impossíveis ou não concretizados – morreu solteiro, relembre-se – e, depois, fez a sua palinódia, a transmutação do seu canto em poesia “a lo divino”.
Camões é contemporâneo dos dois grandes escritores místicos espanhóis Santa Teresa de Ávila e de S. João da Cruz.
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