quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

A figura feminina em Camões (2)

2. Desenvolvimento

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A. Na Lírica - redondilhas

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A mulher mitificada das Redondilhas

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Se Helena apartar

Do campo seus olhos,

Nascerão abrolhos.

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A verdura amena,

Gados que paceis,

Sabei que a deveis

Aos olhos de Helena.

Os ventos serena,

Faz flores de abrolhos

O ar de seus olhos.

Faz serras floridas,

Faz claras as fontes...

Se isto faz nos montes,

Que fará nas vidas?

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Trá-las suspendidas

Como ervas em molhos,

Na luz de seus olhos.

Os corações prende

Com graça inumana.

De cada pestana

Ua alma lhe pende.

Amor se lhe rende

E, posto em giolhos,

Pasma nos seus olhos.

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Verdes são os campo,

Da cor do limão.

Assim são os olhos

Do meu coração.

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Campo que te estendes

Com verdura bela...

Ovelhas, que nela

Vosso pasto tendes....

De ervas vos mantendes,

Que traz o Verão,

E eu das lembranças

Do meu coração.

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Gados que paceis,

Co contentamento,

Vosso mantimento,

Não no entendeis.

Isso que comeis

Não são ervas, não:

São graças dos olhos

Do meu coração.

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Um retrato mais realista

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Endechas à Bárbara Escrava

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Aquela cativa

Que me tem cativo,

Porque nela vivo

Já não quer que viva.

Eu nunca vi rosa

Em suaves molhos,

Que para meus olhos

Fosse mais formosa.

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Nem no campo flores,

Nem no céu estrelas

Me parecem belas

Como os meus amores.

Rosto singular,

Olhos sossegados,

Pretos e cansados,

Mas não de matar.

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Uma graça viva,

Que neles lhe mora,

Para ser senhora

De quem é cativa.

Pretos os cabelos,

Onde o povo vão

Perde opinião

Que os louros são belos.

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Pretidão de Amor,

Tão doce a figura,

Que a neve lhe jura

Que trocara a cor.

Leda mansidão,

que o siso acompanha;

Bem parece estranha,

Mas bárbara não.

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Presença serena

Que a tormenta amansa;

Nela, enfim, descansa

Toda minha pena.

Esta é a cativa

Que me tem cativo,

E, pois nela vivo,

É força que viva.

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B. Na Lírica – sonetos

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Um soneto com um retrato em tom platónico, desmaterializado

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Um mover de olhos, brando e piedoso

Sem ver de quê; um riso brando e honesto,

Quase forçado; um doce e humilde gesto,

De qualquer alegria duvidoso;

Um despejo quieto e vergonhoso;

Um repouso gravíssimo e modesto;

Uma pura bondade, manifesto

Indício da alma, limpo e gracioso;

Um encolhido ousar; uma brandura;

Um medo sem ter culpa; um ar sereno;

Um longo e obediente sofrimento:

Esta foi a celeste fermosura

Da minha Circe, e o mágico veneno

Que pôde transformar meu pensamento.

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Duas histórias de amor com final infeliz

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Aquela triste e leda madrugada,

Cheia toda de mágoa e de piedade,

Enquanto houver no mundo saudade

Quero que seja sempre celebrada.

Ela só, quando amena e marchetada

Saía, dando ao mundo claridade,

Viu apartar-se d'uma outra vontade,

Que nunca poderá ver-se apartada.

Ela só viu as lágrimas em fio

Que d'uns e d'outros olhos derivadas

S'acrescentaram em grande e largo rio.

Ela viu as palavras magoadas

Que puderam tornar o fogo frio,

E dar descanso às almas condenadas.

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Quando de minhas mágoas a comprida

Maginação os olhos me adormece,

Em sonhos aquela alma me aparece

Que para mim foi sonho nesta vida.

Lá nüa soïdade, onde estendida

A vista pelo campo desfalece,

Corro par'ela; e ela então parece

Que mais de mim se alonga, compelida.

Brado: não me fujais, sombra benina!

Ela (os olhos em mim cum brando pejo,

Como quem diz que já não pode ser),

Torna a fugir-me; e eu, gritando: Dina...

Antes que diga mene, acordo e vejo

Que nem um breve engano posso ter.

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As éclogas 2 e 3: procurar.

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